top of page
  • Marina

Em meu lugar



A cada vez que olho pela janela sinto uma onda de maravilhamento; espanto misturado com um senso de urgência – urgência em capturar, de alguma maneira, a beleza do que vejo lá fora, um jeito de não perder uma cena tão linda. E, segundos depois, eu me lembro: "ah! eu moro aqui."


Será que esse espanto um dia vai passar? Não sei. Espero que não passe. Ou, se passar, que seja substituído pelo sentimento de calma que vem quando a gente se sente pertencente a um lugar. Olhando pras árvores lá fora – que neste momento estão envoltas em névoa e uma chuvinha fina – minha vontade é de um dia finalmente sentir que me fundi com elas, e que o mistério que elas evocam no meu coração seja enfim resolvido.



Claro, esta é apenas uma parte do que tem sido a experiência de morar há um pouco mais de um mês e meio na casa que construimos em Monte Verde ao longo destes últimos anos. Do ponto de vista prático, a vida do dia-a-dia rapidamente ganhou ritmo, coisa que nos fez (à mim e meu marido) muitíssimo bem. Viemos de um ano extremamente intenso de construção, precedido de outro ano extremamente intenso emocionalmente enquanto navegávamos a incerteza do processo de liberação ambiental para construí-la, e este, por sua vez, precedido pelo fatídico 2020 – ano do começo da pandemia. Então voltar a ter uma vida 'normal' – com ritmo, cadência e rotina – era tudo o que precisávamos. Como no ano passado tivemos um pé lá (São Paulo) outro cá (Monte Verde) pra poder acompanhar a obra, desde o primeiro dia já sabíamos em qual mercado ir, quais ruas pegar, onde comprar marmita, qual farmácia fica aberta no domingo. Tivemos um ano inteiro pra nos familiarizarmos com esses detalhes que fazem a gente se sentir em casa e não mais turistas, e assim nossa nova rotina surgiu naturalmente.


As amizades, também, já vinham sendo forjadas, e agora sinto que vão felizmente entrando em dimensões mais pessoais a medida que estreitamos laços com vizinhos queridos e com gente que acompanhou nossas idas e vindas e viam nossa cara de cansaço. Podemos finalmente chamar estes novos amigos em casa pra um café da tarde ou um jantar, e assim temos feito aos poucos com todos eles. Que sorte a nossa que esta lista de pessoas seja tão grande! Sentimos que estes convites são nossa maneira de retribuir o carinho e ajuda que estes novos amigos nos deram ao longo da jornada até a casa pronta, e que continuam nos ajudando nesses primeiros meses vivendo aqui.



E falando em casa, ela em si nos abraçou desde o primeiro dia. É uma relação muito louca que se cria quando sonhamos, projetamos e construimos do zero o lugar onde se vai morar. Conto sempre pra quem me pergunta que na primeira manhã que acordei aqui, desci as escadas e olhei pra sala e cozinha meio embasbacada pois tinha a sensação de morar aqui há anos. Tudo tão familiar. Outro dia deitada na cama olhando pro quarto em volta, falei pro meu marido como era louco pensar que poderíamos contar histórias inteiras sobre cada detalhe daquele cômodo – da tinta que cobre as paredes, aos pregos que pregam o forro de madeira no teto. Cada detalhe ali tem uma anedota sobre uma escolha feita, uma lembrança atrelada ao nome de alguém que com seu trabalho nos ajudou a formar essa construção que hoje é o nosso lar, tão novo mas tão conhecido. Aliás, naquele dia contamos nossas benção por termos cruzado nesse caminho de construção tanta gente bacana e prestativa – e, que, apesar dos percalços que sempre existem, foram todos, sem exceção, gente honesta e interessada em entregar o melhor trabalho possível.



Ah, e nossas gatas! Tínhamos bastante receio sobre como seria a adaptação delas aqui, mas nossos medos foram infundados. Cada uma, no seu tempo e do seu jeitinho, explorou e entendeu a casa nova, e hoje já elegeram seus cantinhos preferidos de soneca e suas maneiras mirabolantes e criativas de subir e descer as escadas. É gostoso demais de ver e acompanhar como elas fizeram rapidamente dessa casa também um lar.


Talvez você, leitora, esteja pensando que estou escondendo as partes difíceis. Não é meu intuito, longe disso – mas acontece que lá pro final do processo todo de construção, quando a casa já tinha telhado, piso e janela, uma chavinha parece que virou na minha cabeça e eu comecei a sentir uma aceitação dos problemas de todos os tipos que inevitavelmente surgem quando se constrói uma casa e se muda de cidade. Antes dessa chavinha virar, tudo parecia o fim do mundo – e tivemos realmente problemas difíceis pra resolver, nos levando a sentir emoções das quais não temos nenhuma saudade. Mas não sei, em algum momento parece que uma parte de mim finalmente entendeu que nenhum dos mil problemas com os quais nos deparamos ficou sem uma solução, fosse ela a que esperávamos ou não. Então sim, especialmente nas primeiras semanas, a casa demandou ajustes e consertos; ficamos ora sem água, ora sem luz, ora sem banho quente (felizmente, nenhum deles por mais do que poucas horas), tivemos que limpar correndo calha entupida, chamar o jardineiro pra serrar árvores caídas. Mas acho que fez parte desse processo de mudar pra cá aceitar que essas coisas aconteceriam. Resolvo tudo com bom humor e sorriso no rosto, como um raio de sol? Não, definitivamente não. Mas a gente dá um jeito e, pra mim, tem esse sentimento de pertencimento que não me deixa sair tanto do eixo quando algo indesejado acontece.



Por último, queria falar dele – esse pertencimento que mencionei, a sensação que tenho desde que mudamos de estar no meu lugar. Sonho ou antecipação nenhuma me preparou pra alegria que é sentir isso, porque, falando de verdade, não sei se já tinha sentido isso na vida. Sinto que aqui é meu lar. Acordo, e da cama vejo as árvores pela janela, meu coração suspira. Desço as escadas, dou comida pras gatas, vou lá fora abrir as janelas, meu coração suspira. Dou bom dia pras florzinhas nos vasos que já plantei, rego quem precisa, desenrolo a mangueira, meu coração suspira. Troco de roupa e vou dar um pulo de carro no mercado pra comprar frutas pro café da manhã e acendedor da lareira. No caminho de volta, a vista das montanhas está sempre diferente, sempre linda. Meu coração suspira. Desço do carro pra abrir o portão da subida pra casa, respiro fundo e sinto o cheiro de mato misturado ao de alguma lareira acesa nas casas por perto. Me sinto viva e ativa. Meu coração suspira. De noite, deitada na cama lendo um livro de jardinagem com a luz gostosa do abajur, sinto a felicidade e aquele cansaço gostoso de um dia passado pra lá e pra cá fazendo mil coisas. Apago a luz do abajur, aquele breu, aquele silêncio. Meu coração suspira.


Realmente não sei quanto tempo vai durar esse 'estado de graça'. Sei é que tudo na vida é impermanente e dinâmico, então pode ser que uma hora essa magia acabe. Veremos. Por enquanto eu curto, me alegro, e me delicio com cada novo dia do que sinto ser a nossa nova velha casa.







23 comentários

Posts recentes

Ver tudo
bottom of page